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Powell, Volcker e o cenário de inflação americana

Com um desafio inédito pela frente, o Presidente do FED, Jerome Powell, sofre o peso da comparação com o ex-Presidente Paul Volcker


Foto de capa: Carolina Grabowska/Pexels


Paul Volcker se tornou uma daquelas figuras mitológicas. Do alto de seus dois metros de altura e sempre acompanhado por um charuto, era conhecido por ser simples e direto.


Durante seu mandato como presidente do Fed, na década de 1980, conseguia ser ainda mais sucinto. Na primeira coletiva da história concedida por um presidente do banco central americano, Volcker anunciou a grande mudança: o Fed deixaria de controlar a taxa de juros e essa se adequaria livremente ao crescimento da base-monetária.


A inflação alta era um problema que persistia na vida dos americanos desde a primeira crise do petróleo, em 1973. O remédio, entretanto, foi amargo. As taxas de juros, adequando-se ao excesso de moeda circulando na economia, alcançaram o pico de 22%, enquanto os americanos percebiam que uma recessão se aproximava. No mundo em desenvolvimento, o aperto monetário levou a uma forte apreciação do dólar que tornaria o custo das dívidas externas insustentáveis e daí se seguiu a Crise do México, em 1982, que arrastaria toda a América Latina.


Não obstante, a inflação foi controlada e os Estados Unidos tiveram cerca de 40 anos de estabilidade de preços. Choques, como o Atentado às Torres Gêmeas de 2001, e crises, como a Grande Crise Financeira de 2008, foram e vieram, mas sem ameaça de um descontrole inflacionário. Até agora. Poucos são tão rotineiramente lembrados da sombra de Volcker quanto o atual presidente do Fed, Jerome Powell. Personalidades distintas, Powell, por ser advogado, é mais aberto a questionamentos e, até mesmo, mais propenso à autocrítica.


Talvez tenha sido essa personalidade que fez com que o presidente abortasse a teoria natimorta de que a inflação pós-Covid nos Estados Unidos era apenas temporária. Quando o jornalista Nick Timiraos publicou uma notícia no Wall Street Journal na véspera da reunião de junho de 2022 que o Fed considerava uma alta de 0.75%, a primeira desde 1994, muitos consideraram aquele o “Volcker Moment” de Powell. Posteriormente, ele viria a incluir o título da biografia de Volcker “Keep at it” (“mantenha-se firme”, numa tradução livre) em seus parágrafos de conclusão de todas as suas falas ao longo de todo 2023.



Depois de junho de 2022, seguiram-se mais duas altas de 0.75% e o Fed continuou com o ciclo mais agressivo de altas de juros desde os anos 80, finalizando em julho do ano passado com o topo da banda em 5.50%. Nove meses depois, o Fed se encontra em um dilema.


A rápida desinflação, propiciada pela normalização das cadeias de suprimento e pelo aperto monetário, fizeram com que a inflação convergisse para um patamar próximo de 3% sem maiores efeitos sobre a atividade econômica, porém fica cada vez mais difícil ver a continuidade do progresso até a meta de 2%.


Em janeiro, a economia americana adicionou 350 mil novos postos de trabalho, enquanto, segundo a pesquisa JOLTS, ainda há cerca de 1,5 vagas em aberto por cada trabalhador desempregado – bem acima do patamar pré-pandemia. O número de trabalhadores no setor de construção, um dos mais sensíveis à atividade econômica, já ultrapassou o pico pré-2008.



Tudo isso sugere que a economia, mas principalmente o mercado de trabalho, segue bastante aquecido. A discussão de quando começar o ciclo de cortes está presente em cada discurso dos membros do Fed, entretanto o fantasma de uma reaceleração persiste. O cenário de “no landing”, como ficou conhecido, de uma reaceleração econômica causado pelo afrouxamento da política monetária parece cada vez mais provável.


Assim como Paul Volcker, Jerome Powell terá que resistir às pressões políticas se quiser cumprir com seu dever. O favorito a candidato republicano, Donald Trump, responsável por nomear Powell, já afirmou que se reeleito, não o reconduzirá ao cargo. Do outro lado do espectro político, a base democrata fica cada vez mais insatisfeita com a cautela do banco central em um ano eleitoral tão importante.


Além disso, Powell se depara com um cenário internacional mais parecido com o de Volcker do que de seus demais antecessores. Enquanto Volcker vivenciou a última década da velha Guerra Fria, Powell pode ser o responsável por conduzir a economia americana no começo da Nova Guerra Fria. Isso significa não poder contar com a pressão deflacionária da maior fábrica do mundo, a China, por muito tempo. Portanto, apesar do otimismo, o cenário para a

inflação americana é o mais delicado dos últimos 40 anos.

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