Brasil equilibra relações entre potências ao reunir EUA e China em exercício militar conjunto
Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil
Henry Kissinger descreve com maestria em seu livro “Diplomacia” o conceito de neutralidade como ferramenta estratégica em prol de objetivos nacionais. Isolados pelo oceano, os fundadores dos Estados Unidos adotaram como fundamento geopolítico o distanciamento do confronto entre Inglaterra e França e das tradicionais alianças de equilíbrio de poder, comuns e necessárias aos velhos países europeus, enquanto promoviam sua própria agenda de interesses nacionais, como a aquisição da Louisiana à França e a marcha inexorável para o oeste. Somente após a consolidação de seu território, os Estados Unidos, então sob a presidência de Woodrow Wilson, viraram a chave para a disseminação da democracia e dos valores americanos como vetor da política externa, tal como a conhecemos hoje.
Neste mês de setembro, o Corpo de Fuzileiros Navais da Marinha do Brasil realizou sua tradicional Operação “Formosa”. Trata-se de um exercício conjunto de simulação de uma operação anfíbia que tem como objetivo valorizar a interoperabilidade entre as Forças Armadas brasileiras, promovendo a troca de experiências operacionais. Cerca de 3 mil militares e um grande número de meios foram utilizados, como o recém-adquirido JLTV (Joint Light Tactical Vehicle), parte do programa PROADSUMUS de aquisições estratégicas da Marinha, o consagrado sistema ASTROS, os blindados Piranha, os Carros Lagarta Anfíbios (CLAnf), caças AF-1 Skyhawk e helicópteros da Marinha.
Tradicionalmente, nações amigas são convidadas a participar e, neste ano, além dos Estados Unidos, parceiro tradicional, a China também esteve presente nas operações, fato inédito na história da “Formosa”. A presença simultânea desses dois países na operação conjunta é inusitada. As duas potências são antagonistas na geopolítica global e não participam de operações conjuntas há uma década. Enquanto medem forças em relação à questão de Taiwan, travam uma queda de braço permanente no campo econômico, com a China atraindo aliados tradicionais do Ocidente para a iniciativa Belt and Road, e os Estados Unidos declarando em sua mais recente Estratégia de Defesa que a China é o oponente a ser batido. “Impérios”, escreveu Kissinger, “não tem o menor interesse em operar em um sistema internacional; aspiram ser o sistema internacional. Impérios não precisam de um equilíbrio de poder. É como os Estados Unidos vêm sua politica exterior nas Américas – e a China, durante a maior parte de sua história, na Ásia”.
De reconhecida excelência diplomática no cenário internacional e tradição de ponderação em relação aos conflitos de toda ordem, o Brasil tem adotado posições dúbias no cenário atual das relações internacionais, onde o princípio do Realismo predomina de forma absoluta. Da frustrada tentativa de mediar o complexo conflito na Ucrânia, passando pela posição controversa nas eleições venezuelanas, até este convite feito a duas nações em situação francamente antagônica, o Brasil não deixa claro quais interesses nacionais busca promover nem qual o eventual ganho geopolítico para o país com tal posicionamento.
A temperatura do relacionamento entre os dois países nas questões relativas ao Brasil pode ser medida por uma nota recente emitida pelo porta-voz da Embaixada da China no Brasil.
Em nota, a Embaixada criticou uma entrevista concedida à imprensa brasileira pela general Laura Richardson, chefe do Comando Sul dos Estados Unidos, que teceu comentários considerados improcedentes acerca da China e das relações sino-brasileiras. “Tais alegações equivocadas por parte dos EUA desconsideram fatos fundamentais, adotam uma mentalidade típica da Guerra Fria e obedecem a uma lógica hegemonista. Elas intentam distorcer a percepção da opinião pública, desmoralizar a imagem da China e prejudicar a amizade e a cooperação com o Brasil, e constituem, assim, completas mentiras políticas. Suas palavras que buscam abertamente coagir outros estados a tomar partido, carecem do mínimo respeito que se deve à China e ao Brasil enquanto países soberanos, o que expõe, uma vez mais, a postura arrogante e prepotente dos EUA e a falta de confiança deles. Manifestamos o nosso veemente repúdio e firme objeção a tais declarações” afirma a nota.
A participação conjunta não passou despercebida pelo Senado dos Estados Unidos. Em carta ao Secretário de Defesa, Lloyd Austin, o Senador Mark Rubio alerta para os riscos da exposição: “Essa ameaça é amplificada quando as forças dos EUA participam do mesmo exercício que o ELP, pois cria oportunidades adicionais para a China observar e explorar nossas estratégias, mesmo que as forças não estejam se envolvendo diretamente umas com as outras. O risco de não apenas a RPC obter conhecimento das capacidades e táticas militares dos EUA, mas compartilhar esse conhecimento com outros atores malignos não deve ser subestimado.”
Contactado por Defconbr.net, o U.S. Marine Corps Forces South declarou que os fuzileiros navais dos Estados Unidos participam da Operação “Formosa” desde 2015 e que neste ano, destacamentos do 1st Battalion, 24th Marine Regiment, 4th Marine Division e do 3rd Air Naval Gunfire Liaison Company participaram do planejamento e execução do exercício como fruto de um profundo e duradouro relacionamento militar entre ambos. Brasil e Estados Unidos desfrutam de uma amizade histórica como parceiros na segurança e defesa pela democracia no hemisfério ocidental, que é fortalecida por exercícios militares bilaterais. Em relação a outros convites como observador ou participante, afirma, cabe apenas ao governo brasileiro se manifestar.
Contactado, o Comando Geral do Corpo de Fuzileiros Navais da Marinha do Brasil não se manifestou.
Créditos: Carlos Kwasinski/Defconbr.net
Comments