O autor de “Caso Varig – A história da maior tragédia da aviação brasileira” revela detalhes exclusivos sobre o fim de uma das maiores empresas do país
Em 2016, o comandante de voo formado pela Academia da Força Aérea, Marcelo Duarte Lins, lançou “Caso Varig – A história da maior tragédia da aviação brasileira” - um livro que detalha em 408 páginas a derrocada da empresa fundada em 1927, e que chegou a ser vista como exemplo de um “país que deu certo”.
Além de reportar em sua obra o processo que levou ao pedido de falência - segundo Lins, “sem que a solicitação de qualquer um de seus credores”, o ex-diretor administrativo e financeiro da Associação de Pilotos da Varig (Apvar) relata em minuciosos detalhes o calvário de aposentados e pensionistas do Aerus - o fundo de pensão que acompanhou a queda da empresa aérea, sem que seus beneficiários fossem devidamente ressarcidos.
Em entrevista exclusiva ao Rumo Econômico, Marcelo Duarte Lins revela ainda mais informações que dão suporte aos crimes cometidos pelo estado brasileiro contra um de seus maiores patrimônios que chegou a atuar com 20 mil funcionários, com voos para 36 países.
Rumo Econômico - Como foi ser piloto da Varig, uma companhia admirada internacionalmente por décadas? Quando você percebeu que havia algo de errado com a companhia e que poderia prejudicar o futuro de aposentados e pensionistas?
Marcelo Duarte Lins - Ingressei na Varig em 1987. Era um sonho para os brasileiros - e para os pilotos, era o máximo que se poderia almejar. A empresa representava a imagem de um Brasil que dava certo e trazia mais de US$ 1,2 bilhão para a balança comercial do país.
Em 2001, eu fui convidado para participar de uma chapa que venceu a eleição para a maior entidade de pilotos da América Latina, a Apvar. Ela contava com a adesão de 92% dos pilotos da Varig. Mensalmente, eles contribuiam de forma espontânea para a associação, enquanto o Sindicato dos Aeronautas sobrevivia do imposto sindical. No seu quadro associativo estava menos de 8% dos pilotos e mecânicos de voo e comissários da Varig.
Nós tínhamos convicção de que algo ia mal com a maior empresa aérea e seu fundo de pensão, o Aerus - até então, o terceiro maior do Brasil. O que deveria ser um futuro tranquilo para a terceira idade, estava tirando o sono da maioria de nós. Em 2002, resolvemos contratar algumas assessorias para avaliar o que estava acontecendo.
Rumo Econômico - Depois que vocês começaram a investigar, qual foi a reação da empresa perante a seus funcionários? Você decidiu escrever sobre a Varig a partir desse incidente?
Marcelo Duarte Lins - Logo depois, toda a diretoria da Apvar acabou sendo demitida por uma “forjada justa causa”. Alguns de seus diretores e colaboradores tiveram, inclusive, suas imagens expostas nas dependências da Varig em alguns aeroportos, constituindo em um crime de tortura e perseguição política que não prescreve.
A partir daí, resolvi juntar documentos e fazer um banco de dados. Em 2015, isso tudo foi transformado no livro: “O Caso Varig - a história da maior tragédia da aviação brasileira”. A ideia inicial era fazer um livro de como o trabalho havia salvo o capital. Mas fracassamos nessa tentativa.
Rumo Econômico - E como está sua situação atual? O livro contribuiu para a continuidade das investigações?
Marcelo Duarte Lins - Depois disso, voei no exterior como piloto expatriado. Hoje estou aposentado, juntamente com a associação dos pensionistas e aposentados do Aerus - a Apros. Estamos lutando na justiça pelos direitos dos ex-funcionários da Varig que não foram honrados até hoje.
Rumo Econômico - Apesar da gravidade da situação com os aposentados e pensionistas, pouco vemos na mídia uma cobertura detalhada do caso. O que o sr. pensa dessa conjuntura?
Marcelo Duarte Lins - Ontem, assim como hoje, existe uma parte da empresa regada com verbas governamentais, fazendo papel de secretaria da comunicação do governo. É uma imprensa cínica e corrupta.
Rumo Econômico - Para quem está distante do tema, conte um pouco da história do Aerus e de seus pensionistas.
Marcelo Duarte Lins - O Instituto Aerus de Seguridade Social foi criado em 1982, sendo que o primeiro benefício saiu em 1985. Era uma entidade fechada de previdência para reunir empresas patrocinadoras ligadas ao setor aéreo. Ele foi criado com 3 fontes de custeio: trabalhador participante, as empregadoras e com 3% do valor das passagens domésticas em substituição aos 10% da cota de INPS que existiu até 1991. Essa terceira fonte foi cancelada nove anos depois, bem antes dos 30 anos previstos.
Rumo Econômico - E como ficou a situação desses pensionistas depois do cancelamento?
Marcelo Duarte Lins - A Varig tinha o Plano 1 de benefício definido e o Plano 2 de contribuição definitiva. Quando a empresa quebrou e foi vendida, 15 mil funcionários participavam desses planos do Aerus. 6.700 aposentados e pensionistas, e 8.289 trabalhadores ainda em fase de contribuição. A seguridade social está na CF de 1988. Talvez o Aerus tenha sido o primeiro fundo de pensão a ser atacado. Em 2007, todos os fundos de pensão juntos representavam 16% do PIB. Hoje, todos sabemos, que os fundos de pensão privados são alvos de cobiça, que não são dos participantes. Eles são alvos de desvios, falta de fiscalização e corrupção.
Rumo Econômico - Nos últimos anos, assistimos diversos casos semelhantes, como o caso do Postalis - o fundo de pensionistas dos Correios que acabou devassado por agentes públicos. Ainda há esperança para o Aerus?
Marcelo Duarte Lins - Não há um aposentado que não saiba o que aconteceu com o Postalis (Correios), o que vem acontecendo com a Petros e o que apavora os funcionários do Banco do Brasil com o futuro da Previ. Competia ao governo, fiscalizar e dar segurança aos participantes dos planos. Atualmente existe uma ação civil pública - que ainda não está transitada em julgado - mas através de uma tutela antecipada tem garantido o pagamento parcial dos aposentados do Aerus, dando como garantia a ação de defasagem tarifária. Digo parcialmente, porque nem todos ainda recebem e alguns recebem menos do que deveriam estar recebendo.
Rumo Econômico - O sr. citou antes da entrevista que a Varig não deveria ter sua falência decretada como ocorreu. Conte um pouco desses bastidores.
Marcelo Duarte Lins - Claro. Em dezembro de 2005 a Varig entrou no processo de recuperação judicial com uma dívida de R$ 7 bilhões. Depois de todos os torniquetes que foram impostos à companhia pelo governo através da BR Distribuidora que passara a exigir pagamentos por combustível à vista, do Banco do Brasil e da Infraero, não houve outra alternativa a não ser recorrer à lei 11.101 que havia sido recém-promulgada. A pseudo recuperação judicial da Varig é cheia de irregularidades. Não houve pagamento de créditos trabalhistas previstos em lei. Em 2010 ela entrou em falência, sem que qualquer credor a pedisse. A dívida cresceu 157% durante a recuperação judicial. A empresa não pagou a ninguém.
Rumo Econômico - O sr. poderia dar detalhes sobre esta Ação?
Marcelo Duarte Lins - A Ação de Defasagem Tarifária é decorrente do congelamento das tarifas do governo Sarney. A Transbrasil já havia ganho e levado essa ação. Essa ação transitou em julgado para Varig, e não cabia mais recurso. Com a coisa julgada, a Varig ganhou essa ação no STF, tendo a ministra Cármen Lúcia como relatora do processo. Quanto a isso, não cabe mais discussão. Então sobram duas discussões: quem é o dono da ação e qual o seu valor. A massa falida se apresentou como a favorecida, pelo fato de a Varig não mais assistir. Em 2007, durante a recuperação judicial, foi homologado um acordo com participação do governo, para que o Aerus ficasse com a ação como garantia.
Quanto ao valor, nada melhor que os cálculos dos peritos que atuaram no próprio Aerus, de R$ 4,7 bilhões, anunciados no termo de conciliação 042024. O Aerus, que é dono da ação, não participou do acordo, nem o MPF. O que foi anunciado por sindicalistas na mídia atende a escritórios advocatícios, bancos e a massa falida fraudulenta, como mostrou a CPI da Varig na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.
Rumo Econômico - É verdade que alguns ex-funcionários têm sido assediados por bancos, que oferecem acordos para receber menos recursos do que o previsto na ação judicial?
Marcelo Duarte Lins - Sim, é um fato. Vários ex-funcionários estão sendo assediados por bancos e financeiras, que estranhamente obtiveram os cadastros trabalhistas do grupo Varig, em total dissonância à Lei de Proteção de Dados. Essas empresas sabem todos os detalhes, incluindo nomes e respectivos valores que o credor tem a receber. Por contato telefônico fazem a proposta. Eles oferecem 20% ao valor de face, e se dispõem a pagar por Pix, tão logo haja o aceite. Se lá atrás, tivesse havido um encontro de contas das dívidas da Varig com o governo e a ação de defasagem tarifária, certamente a empresa ainda estaria voando.
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