Guerra monetária e a reconfiguração da ordem global
- Carlos Dias
- 10 de abr.
- 3 min de leitura

A alegada disputa comercial entre Estados Unidos e China transcende a superficialidade das tarifas e dos saldos comerciais deficitários ou superavitários. Ela se revela como uma intrincada guerra monetária, onde a assimetria econômica se manifesta em estratégias financeiras e projeções geopolíticas profundamente divergentes. Os Estados Unidos, herdeiros de um longo processo de desindustrialização e consolidados como os principais exportadores de moeda forte do mundo, articulam uma estratégia complexa para reverter seu papel de financiador global, buscando restaurar a primazia de sua economia. Em contrapartida, a China, impulsionada por um modelo produtivo caracterizado por custos otimizados forçados e uma nítida intervenção estatal, busca consolidar sua ascensão como uma potência econômica global de envergadura inegável.
Os dados da balança comercial, meticulosamente compilados desde 2017, oferecem um panorama substancioso dessa assimetria estrutural. A China, com superávits anuais que culminaram em expressivos US$ 992,16 bilhões em 2024, demonstra uma solidez exportadora sustentada por um regime cambial administrado com precisão ajustada pelo Partido Comunista Chinês e custos de produção estrategicamente comprimidos. Essa abordagem, embora suscite debates significativos sobre a equidade das práticas comerciais, permitiu ao país acumular reservas monumentais em moeda americana e ouro, com estimativas que apontam para a posse de 2.300 toneladas do metal precioso, avaliadas em aproximadamente US$ 83 bilhões.
Em nítido contraste, os Estados Unidos enfrentam déficits comerciais recorrentes e de magnitude crescente. A trajetória no tempo, a qual destaco, se inicia em US$ 552,3 bilhões em 2017, ascende a estarrecedores US$ 1,212 trilhão em 2024. Essa persistência nos números negativos sinaliza uma economia estruturalmente dependente de importações e, por conseguinte, da emissão de moeda forte (dólar) para sustentar seu consumo interno e manter o elevado padrão de vida de sua população. Ao adotar essa postura, os Estados Unidos se estabeleceram como um exportador de moeda forte, viabilizando a consolidação de estruturas econômicas em outras nações, com destaque para a China, que se beneficia da demanda americana e da valorização de seus ativos denominados em dólares, criando um ciclo de interdependência complexo e, entendo, insustentável.
A detenção de vastas reservas em dólares pela China, algo próximo a US$ 3,2 trilhões, em paralelo ao crescente endividamento dos Estados Unidos, estabelece uma dinâmica complexa e potencialmente instável no sistema financeiro internacional. A China, ao promover uma estratégia de diversificação de suas reservas, buscando reduzir sua dependência do dólar, e incentivar o uso do yuan em transações comerciais, busca mitigar sua vulnerabilidade à hegemonia da moeda americana e expandir sua influência global. Os Estados Unidos, por sua vez, articulam uma resposta ampla e contundente, que inclui a implementação de políticas comerciais com viés protecionista, o incentivo à produção doméstica e a aplicação de pressão diplomática, visando reverter essa dependência e revitalizar sua base industrial, em uma tentativa de reequilibrar as forças em jogo.
Essa intrincada teia de relações transcende a esfera econômica e se projeta no tabuleiro da geopolítica global, com implicações de longo alcance para a ordem mundial. A capacidade de financiar déficits comerciais por meio da emissão de moeda forte confere aos Estados Unidos um poder considerável, embora simultaneamente crie uma vulnerabilidade, atrelada à manutenção da confiança dos investidores estrangeiros em sua economia e na estabilidade de sua moeda. A China, ao desafiar essa ordem estabelecida, busca reconfigurar a arquitetura financeira global, promovendo um sistema supostamente multipolar e expandindo sua influência em regiões de importância estratégica, como a África e a América Latina, por meio de investimentos em infraestrutura e acordos comerciais.
A denominada disputa comercial entre os Estados Unidos e a China é, em sua essência, uma complexa manobra estratégica no campo da inteligência econômica, com implicações de longo alcance para a ordem global. A análise da balança comercial, refinada por instrumentos de modelagem econométricas, combinada com um denso conhecimento de economia e relações internacionais, é algo imprescindível para desvendar essa confusa dinâmica e antecipar seus desdobramentos. A habilidade de interpretar dados e informações sob uma lente estratégica é fundamental para os formuladores de políticas e os líderes empresariais, que necessitam percorrer um ambiente global marcado por incertezas, armadilhas e desafios crescentes, onde a tomada de decisões informadas é fundamental para a sobrevivência e o sucesso.
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